segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Capítulo II- Música solta... parte II

Quando fez 18 anos, em 1992, Gustavo estava sentado no seu quarto calçando uns tênis que havia ganhado de uma tia que ainda morava em Sergipe, mas que viera ao Rio para resolver algumas questões particulares e não esquecera o sobrinho. Gustavo era um bom filho e um bom aluno. Terminara o ensino médio, na época o chamado Segundo Grau, com êxito e em seguida emendou jornalismo na UERJ. Estava se arrumando todo, pois ia sair com uns amigos para tomar um chope em Ipanema, perto de casa mesmo. Usava uma camisa branca de mangas dobradas até a altura dos cotovelos, com uma calça jeans escura e penteava os cabelos castanhos escuros para trás, mas eles sempre teimavam em cair para o lado esquerdo. Colocou algum dinheiro na carteira de couro de marrom lustroso e catou as chaves de seu carro recém adquirido. Era um Gol branco modelo do ano. Passou por sua mãe na sala e disse onde ia. Ela assentiu com a cabaça e continuo a falar com ao telefone com um advogado.

Gustavo sabia do que se tratava, mas deu de ombros, pois uma pessoa que ele queria muito ver estaria na rodinha de amigos que se encontraria logo mais. Depois quando chegasse em casa ele conversaria com a sua mãe, ou conversaria com ela no café da manhã, o que não lhe deixava muito a vontade.

Eram umas nove e meia da noite e os amigos marcaram para as nove. Gustavo não era conhecido por sua pontualidade. Seguiu pela Av. Atlântica escutando uma música qualquer no seu rádio. A única coisa que sentia era o vento entrando pela janela do carro e lhe acariciando o rosto liso como que uma namorada melosa. A noite no Rio era uma de uma alegria única. Não importava se era fim de semana ou não. Era sempre iluminada. Pelo menos os trechos ditos para “turistas”. Gustavo foi até um bar numa rua paralela a Av. Vieira Solto em Ipanema. Estacionou o carro entre tantos outros e um garoto veio até ele com roupas em mulambos pedindo pra tomar conta do carro. Gustavo olhou pra ele sem falar nada e depois se voltou pro carro. Checou pra ver se a porta estava trancada e em seguida pediu ao garoto que tomasse de conta de seu carro que quando voltasse lhe daria alguma coisa. O garoto sorriu com alguns dentes lhe faltando na boca e disse: “Claro, chefia”. E foi se sentar num fio de calçada ali próximo. Gustavo caminhou pouco até um barzinho com ares aconchegantes ainda na mesma rua. O nome era Barzinho da Meia Noite. Um bar conhecido pela freqüência de universitários que vinham para beber e conversar com os amigos. Geralmente eles eram de classe média e alta. Gustavo entrou no estabelecimento e deu uma geral com os olhos. No balcão dois sujeitos conversando alguma coisa que os fazia rir. Nas mesas à esquerda um grupinho de calouros bebericando e mais ao fundo um casal aparentemente fazendo juras de amor eterno. Gustavo quase teve vontade de ir lá para saber que besteiras estavam falando. Talvez alguma coisa como “Eu te amo” e em seguida um “Mas eu te amo mais” e coisas assim. Mas ficou só na vontade. Perto da entrada tinha um segurança e logo atrás dele mais mesas. O ventilador de teto girava lentamente e o som ambiente tocava bossa nova. Nada mais carioca que isso. Alguém fez “psiu” e Gustavo olhou à sua direita vendo assim seus amigos. Sorriu, levantou o braço não muito alto e acenou com a mão caminhando na direção deles. Na mesa quadrada de madeira escura cabiam até seis pessoas. E só faltava Gustavo para preencher uma última cadeira perto de seu amigo Rubens. No local, além de Rubens, estavam João Carlos, um cara muito tranqüilo que gostava de rir baixo; Manuela, uma catarinense que havia vindo morar no Rio há algum tempo; Eduardo, grande amigo de Gustavo e Amanda, uma maluca desbocada que pintava o cabelo quase todas as semanas e queria trabalhar como âncora num grande jornal. Dizia sempre que quando isso acontecesse, um dia ao vivo, ela tiraria a roupa e cantaria uma música do Tim Maia. Gustavo só conhecia Amanda de vista, mas era esta noite que ele pretendia conhecê-la melhor.

A noite já ia alta e todos estavam com o álcool no sangue já fazendo um efeito considerável. Uma banda de que fazia covers estava tocando a esta altura Legião Urbana e Amanda cantava alto quando Faroeste Caboclo começou. João Carlos fumava um cigarro de maconha e passava para seus companheiros que tratavam de dar uma tragada, segurar o fumo e passar adiante. O cheiro acre do baseado empesteava o lugar como perfume barato. Mas nem toda a bebida e fumo tiravam os olhos de Gustavo de Amanda, que descobrira que ela além de linda, tinha um humor cativante e gostava de LPs de bandas dos anos 70. Era uma pessoa que curtia viver e fazia valer cada dia. Tinha sonhos malucos sobre como criaria seus filhos e Gustavo prontamente em sua cabeça se viu sendo o pai dessas crianças. Ele olhou para o chão e respirou pesadamente. Sentiu alguma coisa embrulha-lhe o estômago e seus olhos o traíram por alguns segundo quando tudo começou a ficar embaçado. Se levantou de uma vez e foi correndo para o banheiro. Segundos depois voltou dizendo que já havia dado pra ele e que estava na hora de ele ir embora. Alguém disse: “Não, Gustavo, ainda nem começamos a nos divertir”, mas já era tarde de uma sexta e Gustavo sabia que no outro diz ele teria que encontrar umas pessoas. Saiu cambaleando pelo barzinho e Amanda o acompanhou até a saída. Passaram pelo segurança que a esta altura conversava com uma loira de seios fartos, que falava alguma coisa sobre valores. Do lado de fora a música ainda podia ser escutada e agora o som era mais leve. Gustavo escorou-se na parede para tentar se recompor. Amanda, que apesar de meio pirada, estava mais sóbria que ele perguntou se ele queria que ela o levasse até em casa e ainda sugeriu entre sorrisos espaçados que transassem no elevador. Gustavo riu e enrubesceu enquanto catava as chaves no bolso.

Amanda o agarrou e o trouxe para si. O seu corpo era macio e suas mãos delicadas. Seus olhos castanhos cor de mel fitaram os dele, de um castanho escuro, quase negros. O som que saía de dentro do barzinho servia de musica de fundo. Tocava Lanterna dos Afogados, e isso embalava o casal num ritmo gostoso. Ela encostou o lábio vermelho na boca de Gustavo que acolheu aquela situação ainda meio grogue. Os dois ficaram se beijando por algum tempo. Os corpos pareciam querer mais com a mão de Gustavo percorrendo a cintura da pequena e sentindo a silhueta da moça. O gosto molhado e quente da língua dela o fez apertar ainda mais a mulher contra seu corpo. Gustavo tocou nos cabelos lisos e soltos de Amanda enquanto sua boca percorria o pescoço dela em movimentos oriçados. O vento era frio e soprava forte naquela madrugada. As nuvens tinham tons avermelhadas por causa das luzes da cidade. Tudo indicara que choveria. Ele a encostou na parede e a agarrou como que estivesse dando um último beijo de despedida. A música se tornou a coisa mais linda do mundo para o casal. Então eles pararam e ficaram a se olhar. Sorrisos bestas saiam de suas bocas. Alguma coisa tinha acontecido. Algo que ele não sabe dizer, mas que tinha gostado. E ela também notara isso. Ela ainda insistiu que o levasse, mas Gustavo disse que agora estava mais sóbrio que nunca. Na verdade não achava uma boa idéia chegar em casa com Amanda, pois sua mãe estava nos cascos, e ele queria preservar o pouco de paz que havia na casa. Anotou o telefone dela num pedaço de papel que estava no chão e pediu que entrasse. Deram um selinho e ela entrou sorrindo para ele. Gustavo que havia tido apenas uma namorada, da qual o traiu com um colega, estava feliz e ao mesmo tempo com medo. Ele era um sujeito romântico que acreditava na palavra amor e na força que ela tinha. Mas não era idiota.

Chegando no carro, o garoto estava lá do outro lado da calçada e quando o viu, correu até ele e começou a passar uma flanela no pára-brisas do Gol branco. Gustavo agradeceu e puxou a carteira. Tirou uma nota que não viu e entregou ao garoto. O garoto olhou para ele e depois pra nota. Sorriu largo e perguntou se era isso mesmo. Grogue e com o gosto da boca de Amanda na boca, ele concordou com a cabeça e entrou no carro. Ficou sentado por alguns segundos e deu a partida no veículo. A música ainda estava em sua cabeça.

Um comentário:

Arte na Mão disse...

Não podia deixar de te dizer....escreves muito bem!
Ainda tenho muito para ler....vou lendo com calma....
Beijinhos grandes
Alik