domingo, 4 de novembro de 2007

Capítulo II- Música solta...

Com o sacolejar do caminhão, Gustavo acordou de um cochilo forçado pelo cansaço da viajem. Estavam viajando a horas em estradas pequenas e inóspitas que alguns contrabandistas usavam às vezes. O suor lhe corria o rosto e partículas de poeira estavam grudadas em seus lábios. Passou o dorso da mão na boca e olhou em volta. Seus companheiros jornalistas não pareciam melhor que ele. A carroceria do caminhão era coberta com uma lona escura e grossa; o calor era inevitável. Quanto tempo havia passado? Ele teve um rápido sonho sobre leões e ovelhas. Muito estranho sonhar com isso. Um colega ali presente começou a grita em francês enquanto mudava de cor. Havia um tradutor entre eles para fazer a ponte entre os jornalistas e o motorista que era afegão. Em farsi, o idioma daquela terra, o tradutor levantou a lona perto da boleia do caminhão e pediu para que o motorista parasse. O outro gritou algo e o tradutor gritou mais alto. Manuel estava ligeiramente inquieto. Parecia nervoso. Pela primeira vez desde que deixaram São Paulo ele parecia nervoso. Entrelaçava os dedos e os estalava em seguida. Mas Gustavo não se ateve muito a ele quando o caminhão por fim parou, depois muito gritos entre o condutor e o tradutor. Era uma língua simplesmente estranha para todos, mas estavam apenas conversando.


O jornalista francês saltou do caminhão, andou o máximo que pode e arqueou um pouco para frente apoiando-se com as mãos nos joelhos. Em seguida ele vomitou tudo e mais um pouco. Um outro colega vendo aquilo também sentiu ânsia e saltou do caminhão em seguida. O motorista gritava algo e gesticulava como que dizendo “Vamos logo. Vamos logo, seus molengas”. Alguns minutos depois, estavam no caminhão sacolejando bastante com o cascalho quebrando sobre os pneus do veículo que fazia um barulho preocupante no motor como que fosse morrer a qualquer instante.

Já estavam próximo de Kandahâr quando por fim acontecera justamente o que Gustavo temera desde a sua saída do Paquistão: que o caminhão enguiçasse. Todos ficaram se entreolhando como que dizendo- “E agora?”- e em seguida se ouvia os gritos dos dois homens da boléia que pareciam que iam se esbofetear. Manuel olhava nervosamente para Gustavo. Todos desceram do caminhão e ficaram ver os dois homens da boleia discutirem e o tradutor resolvera entrar no meio. Era comum os afegãos falarem alto. E estes falavam bem alto. Gustavo viu que aquilo ia longe e resolver sentar-se à sombra do caminhão, que era muito pouca, mas melhor do que nada. Ficou tamborilando os dedos nos próprios joelhos como que tentasse tocar uma música que tentava se lembrar. Uma música que gostava muito. Algo que lhe fazia se sentir melhor. Perdeu o olhar no vazio e por fim, uma música lhe caiu na memória. A música de um dia inesquecível.

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