domingo, 4 de novembro de 2007

Capítulo I- A Chance Parte final

“Gustavo tinha 14 anos no Rio de Janeiro quando o seu primeiro pecado veio a ele. As pessoas pecam às vezes por achar que naquela ocasião, é o certo a se fazer... ou não. Seu tio e ele, um nordestino robusto, de olhos negros, pele morena e um bigode escuro, foram à Barra da Tijuca para resolver algo. Gustavo não sabia do que se tratava de fato. Mas Seu Afonso disse que ele já era um homem e que tinha resolver certas coisas. Gutinho, como seus pais o chamavam, o tratavam com todos os mimos que um garoto de classe média podia ser tratado. Sua família era oriunda de Sergipe, e foram para o Rio de Janeiro em busca de oportunidades há muito tempo. Gustavo na verdade nasceu no Rio. E nunca soube como foi duro para seus pais erguerem seu pequeno, mas rentável império de farmácias. Sempre estudou em escolas particulares, as melhores do Rio, e sempre teve todos os brinquedos mais legais. Ele era um garoto comum feliz. Seu pai era um bom homem. E sua mãe uma mulher respeitada e querida pelos amigos.Vez por outra, Gustavo pegava seus pais discutindo baixo. Achava aquilo normal entre casais, mas na verdade não se importava muito.”

“Estudar e brincar com seus brinquedos eram suas prioridades. Tinha poucos amigos, mas os que tinham lhe eram muito queridos e fieis. Mas ainda não gostava quando os pais discutiam. Seu Araújo, seu pai, sempre saia de casa e voltava fedendo a cigarros baratos, mas nunca a álcool. Ele não bebia. Mas uma vez por semana dizia que ia parar de fumar. E até conseguia, até terem outro bate-boca. Ele nunca sabia o que acontecia, mas acabara sabendo depois da pior forma possível. Seu tio Afonso dirigia uma Brasília meio acabada ao pé de uma favela. Gustavo já tinha visto favelas antes, claro, mas nunca tinha entrado em uma. E seu coração ficou na mão e depois quase pulou pela boca quando Seu Afonso deu um guinada da estrada para uma transversal que levava pra dentro da favela da Tijuca. Gustavo era um garoto que morava muito bem, pois morava no Leme. Nunca tinha visto tanta miséria junta num só lugar. Com pessoas mal encaradas caminhando pelas ruas. Alguns olhavam para dentro do carro quase como se fosse pular em seu pescoço. Seu sangue estava frio como um cubo de gelo. Seu tio o olhava de vez enquanto e notava o nervosismo de seu sobrinho, mas não disse nada para acalmá-lo. Depois de entrar em dezenas de ruas estreitas, sem saneamento cujo as esquinas sempre mantinham grupinhos fumando ou bebendo, a Brasília velha de Seu Afonso pára de frente pra um casebre com os tijolos vermelhos à mostra. Desliga o motor e se volta para Gustavo, que estava completamente sem ar a esta altura.”

“Engole em seco e toca à sua mão. Gustavo nada entende. Ele só pede calma. Sai do carro e entra na casa. Já vai entrando sem nem bater na porta. Gustavo acha que ele conhece alguém lá dentro. Alguns segundo depois, seu tio sai e o chama para dentro. Se Gustavo pudesse voltar no tempo, ele teria feito do ouvido um tampão quando naquela tarde seu tio o chamara para dar um passeio. Desejaria ter deixado as coisas como estavam e que elas tivessem se resolvido de outra forma e não com ele no meio. Mas Gustavo tinha 14 anos e não tinha bola de cristal.”

“Pelo começo da noite, seu tio o deixou em frente ao apartamento que morava no Leblom. As costas de Gustavo pareciam pesadas e cansadas. Ele ficou parado por um tempo olhando para cima e depois se voltou para a entrada. Como um morto-vivo caminhou até o saguão, cumprimentou Seu Rogério, um Baiano muito engraçado que cuidava do hall do prédio, e pegou o elevador. Morava no sétimo andar. Olhava para os números passando e desejava de certa forma que o elevador despencasse. Mas não despencou. E ainda assim desejou até o último andar. Seja como fosse, ele saiu do elevador que dava de cara para a sua porta. Tirou as chaves do bolso e se lembrou que naquele dia era a vez dele receber alguns amigos para jogarem no seu Nintendo que seu pai trouxera de fora. Eles viriam mais tarde. Rapidamente esqueceu-se disso. Entrou porta a dentro e seu pai e sua mãe estavam na sala já ligando para o Seu Afonso para saber onde raios estavam, já que havia horas que seu filho única saíra de casa. Então foram até o garoto que tinha um olhar duro e perdido. Seus pais sempre foram um exemplo a ele. Então ele proferiu uma única frase. Na verdade, soltou uma única bomba:

- Meu irmão pode vir jogar vídeo game comigo um dia”?


Ele ainda desejou muito tempo depois que o elevador houvesse caído.

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