domingo, 24 de agosto de 2008

Capítulo III- Questões perigosas – Parte I

O calor era algo que parecia fora do comum. Gustavo achava que poderia quebrar um ovo ali mesmo e jogá-lo naquela terra avermelhada que ele imediatamente começaria a fritar. Ficou até mesmo com vontade de fazer isso. Mas não tinha ovos ali no momento. Levantou o rosto e viu alguns repórteres andando para lá e para cá. A maioria entrou na carroceria, que por bem ou por mal, tinha uma lona e os protegia do sol escaldante. Ele olhou lentamente para o lado e viu os dois caminhoneiros, um sentado na parte de dentro da boleia, mas com a porta aberta com parte do corpo de fora e o outro escorado do lado do caminhão fumando um cigarro vagabundo. Gustavo se levantou apoiando-se nas bordas da carroceria. O suor lhe escorria a testa e adentrava em seu olho como um colírio salubre. Ele passa o dorso da mão na testa para tirar o máximo que podia de suor e se volta para os companheiros na parte de trás do caminhão. Procura primeiramente Manuel, que está ao fundo com uma camisa nos olhos tentando dormir. Se é alguém consegue dormir naquela inferno. O tradutor estava bem na ponta perto de Gustavo. Ele por sua vez foi perguntar o que diabos estava havendo afinal.

-O que aconteceu? Eu sei que o motor deve ter quebrado, mas...- disse Gustavo num inglês trêmulo por questão da tensão.
-Não se preocupe. Logo vamos sair daqui. Outro caminhão vai passar em algumas horas. Todo mundo terá de se apertar e pagar mais um pouco pelo excesso.
-Espera... eu entendi bem? Pagar mais?
-Sinto muito, Sr. Gustavo. Aqui as pessoas se aproveitam como podem. Estamos em guerra. Sempre estivemos, creio eu. Temos muitas bocas para alimentar e pouco dinheiro para fazê-lo.
-Acho que já demos um bom dinheiro a vocês.

Uma voz apertada surgiu de dentro do caminhão.

-Não adianta espernear, brasileiro. Estamos no mundo deles. Quer tentar atravessar isso tudo a pé? Sinta-se a vontade. – falava um repórter francês de rosto fino e cabelos castanhos caídos sobre a testa que mexia no que parecia ser umas fotos.

Gustavo fitou o francês por alguns segundos desejando que ele estivesse errado e em seguida se voltou para o tradutor sem saber o que dizer. Mordeu o lábio inferior, passou novamente o dorso da mão na testa tentando aliviar o suor de seu rosto, respirou fundo e começou a caminhar para qualquer lado. Saiu andando e deixando o tradutor para trás. Chutava algumas pedrinhas no chão arenoso enquanto se perguntava se valia mesmo à pena. Afinal, não era algo que se podia abandonar e em seguida ir dormir numa cama macia. Estavam no meio de um lugar que não conheciam, não sabiam o idioma e não tinham conhecimento profundo de seus costumes. O calor não ajudava em nada e os dois homens que conduziam o caminhão parecem que já não se importavam mais. Gustavo olhou para o céu infinito sem nuvens e depois focou sua vista em algumas montanhas ao horizonte. Havia muito delas ali, afinal, boa parte daquele país é formado por montanhas. Tentou dizer pra si mesmo que se conformasse e esperasse, mas algo lhe chamou a atenção antes que esse pensamento fosse concluído.

Lá longe, mas não muito, uma camada de poeira começava a subir. A principio achou que fosse o vento, mas então, viu que ela se concentrava em um único ponto. Então percebeu que era um veículo quando na imensidão do vazio, os ventos lhe trouxeram o barulho, mesmo que ainda tímido, de um motor. Voltou correndo para os companheiros que também já estavam vendo que o que quer que fosse se aproximava rapidamente.

- Minha nossa. O que será aquilo?- disse o repórter inglês olhando trêmulo em direção a poeira que subia.
- Deve ser o Talibã. Estamos perdidos!- disse um japonês.
- Acalmem-se e deixem que eu falo. Não lhes dirijam a palavra ou seremos todos fuzilados- disse o tradutor que estava suando mais que um porco e não tinha firmeza na voz.

Gustavo olhava para Manuel nervosamente que por sua vez se tremia todo por dentro. Os Talibãs comandam o Afeganistão há anos. São a força por trás do frágil regime em que os afegãos são obrigados a coexistir. Então, rapidamente o veículo encostou-se ao grupo e parou abruptamente sacudindo poeira fina pra cima de todos. Era uma pequena caminhonete surrada com quatro pessoas em cima e três na boleia. Dois homens do lado esquerdo do caminhão dentro da boleia desceram e apenas um que estava na carroceria desceu com uma arma soviética em punho. Os três conversaram algo baixinho e foram na direção dos repórteres que a esta altura estavam brancos de medo e o sangue lhes gelavam as veias.

- O que fazem aqui?- falando em patcho, um homem alto de barba muito escura com olhos mais negros ainda, lhes dirige a palavra como se fosse um trovão raivoso numa tempestade em alto mar. O tradutor vacila na primeira tentativa de lhe responder e então respira fundo e segue.

- E-esses são repórteres. Estamos indo- ele pára e se corrige- tirando eles de Cabul. Nosso caminhão quebrou e estamos esperando outro.
- Acha que sou burro, homem? O caminhão está virado para o lado errado. Se querem mesmo sair daqui, a direção é outra. – diz ele duramente fazendo com que o tradutor arregale os olhos em engula em seco sem ter uma palavra para rebater.
- Diga a esses estrangeiros que nesse momento Cabul não é um bom lugar. O Talibã está caçando e matando gente de fora. Eles arrastam corpos pelo chão como que arrastariam uma carne de carneiro.

O tradutor fica confuso por um segundo e então percebe que aqueles homens não são do Talibã e sim da Guerrilha Afegã, que luta contras as forças do terrorismo em seu próprio país. Seu coração suspirou aliviado e então ele apenas confirmou o que tinha imaginado:

- São da Guerrilha?
- Vou levar vocês ao outro lado e depois encaminhá-los de volta para o Paquistão. Não quero mais idiotas como eles morrendo e trazendo problemas como o resto do mundo. Tenho um destacamento não muito longe daqui com um caminhão maior. Vou deixar dois dos meus homens aqui e buscar o caminhão. Aconselho que saiam da estrada. O Talibã pode está usando elas pra trafegar com armas vindas de outras partes do país. Nem as cavernas são seguras. Os Estados Unidos estão bombardeando tudo atrás do Osama.

Gustavo notou que o tradutor estava menos tenso, mas esperou um pouco mais para saber o que estava havendo. Então, ele lhes contou o que de fato acontecera e todos pareciam menos pálidos. Alguns faziam pequenas preces baixinhas enquanto a adrenalina baixava e o suor lhes enxarcava as roupas. Gustavo e Manuel pegaram suas coisas e se encaminharam para um pouco a mais dentro do terreno em sua volta saindo da estrada como lhes foi instruído. Com o suor lhe correndo o pescoço, sentiu que escapou da morte e agora estava flertando com ela para mais um dia. As cartas estão na mesa.

Um comentário:

Krika disse...

Nossa mudou tudo por aqui...O simples vida acabou, mas estou com blog novo, da um pulo por lá. Bjs Cris